quinta-feira, 25 de julho de 2013

logagem Coletiva 25 de Julho – Entrevista com Célia Sacramento

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A Profª Célia Sacramento é paulista de nascimento e baiana de coração. Vice-prefeita da Cidade de Salvador, nos confessou sua vida, história e luta durante duas horas de conversa. Essa é mais uma das grandes Mulheres Afro Latina-americanas:

Célia.sacramento

Blogueiras Negras: Como começou sua história na militância do Movimento Negro?

Célia Sacramento: Entre 12 e 13 anos fui morar no subúrbio ferroviário de Salvador. Minha mãe fez parte de um grupo que fundou uma associação, a Associação Nova Aliança. Nessa associação a gente desenvolvia muitos trabalhos para o bairro, que era um bairro pobre, popular. Fazíamos muito mutirão. Como sempre fui uma espécie de líder na escola, eu me reunia com a juventude local pra fazer as coisas do bairro, ir à praia pra jogar vôlei, dançar no Black Bahia, etc. Fazendo esse movimento com a juventude, entrei na faculdade. Minha entrada na faculdade foi um processo. Venho de uma escola pública, onde tinha notas acima da média. Mas quando fui tentar entrar na UFBA eu não consegui, minha primeira nota foi 4,6. Então vi que precisava estudar muito mais, me dediquei muito, me joguei nos estudos enquanto trabalhava como office girl no comércio, e no segundo vestibular,  consegui a nota 6,7 (a média era 7). Com uma nota acima de 8, não passei. Entendi que para entrar no curso que eu queria, ciências contábeis, tinha que tirar uma nota acima de 9, por que era muito complicado mesmo. Eu e meus amigos, a gente se achava burro por não conseguir. Umas amigas insinuavam que era melhor eu desistir disso tudo e arrumar um namorado com poder aquisitivo. Fui a luta e com uma nota acima de 9, consegui. Quando entrei na minha sala, vi que só havia 3 pessoas negras. Em cursos como medicina, direito e engenharia, quase não se via negros. Pensei: “Como fazer mais colegas conseguirem entrar na universidade?” Então nós, eu, Jadir de Brito,Waldo Lumumba, Maísa Flores começamos a pensar numa forma. Resolvemos formar uma cooperativa, a ideia era ajudar outros estudantes negros a entrarem na universidade. Meu amigo Waldo foi um desbravador. Fizemos um encontro na UFBA, mobilizamos nosso grupo, formamos essa cooperativa de professores pra inserir jovens negros na universidade. Cheguei a fazer palestra lá na UFBA. Sou da área técnica, a minha parte era da estrutura técnica contábel, era administradora, fazia a parte da contabilidade, prestação de contas, etc., e a galera (outros integrantes da cooperativa) dava aula. Nossa ideia era: dar nossa contribuição, depois sair e outros que fossem formados por e beneficiados pelo projeto iriam dar suas contribuições. Outras pessoas foram se juntando a ideia do projeto. Assim que me formei, montei uma empresa de auditoria e minha empresa começou a dar apoio à estrutura. Depois passou a ser uma associação. Depois fui cuidar de fazer mestrado e doutorado. Quando montamos essa instituição, começamos a ser vistos localmente como juventude negra, e o pessoal da cidade nos chamava de “intelectuais negros”. Tinha um grupo mais antigo, uns 10 anos antes de nós, que falava que a gente não precisava ocupar esses espaços na universidade, e nós do nosso grupo, queríamos fazer mestrado, doutorado, porque queríamos nos preparar pra ocupar o poder. Por que uma cidade majoritariamente negra era comandada por brancos? A gente se questionava muito, e quem fazia essa fala eram Jadir de Brito, do Rio de Janeiro e Maísa Flores, da Bahia. Eles diziam que precisávamos ocupar entrando na política. Eu dizia que não queria saber de ser política, queria ser ministra da fazenda, da controladoria, pra ajudar à minha maneira. Falei que ajudaria na campanha e contribuiria no que concerne à minha área. Aí um amigo nosso, Reinaldo Sampaio, descobriu o MNU (Movimento Negro Unificado),e veio falar pra gente, em 87, sobre. Aí Jadir falava que não precisava, pois o movimento não gostava e nem incentivava o estudo, nos chamavam de intelectuais que só queriam saber de estudar, e tal.
Na época, o Jornal da Tarde tinha um editor que fazia comentários horríveis e racistas. Ficávamos horrorizados. Nos reuníamos na biblioteca central dos barris pra estudar. Tinha poucos livros e era um corre corre pra conseguir livros, e a universidade sempre mudava livros para o vestibular, não havia acumulo. Quando fechava a biblioteca, a gente ficava conversando, quando alguém acabava um livro, contava pro outro sobre a abordagem, pois não tínhamos tempo pra ler tudo e nem dinheiro pra comprar. Começaram a falar que a gente precisava se juntar ao PT. Começamos a militar pra lançar linha de esquerda petista na universidade. Com apoio as questões da Unegro por exemplo fundado por Olivia Santana, uma mulher fenomenal que deu contribuições fantásticas para o movimento negro da cidade. E ela já estava na Universidade Federal da Bahia e a gente adorava o trabalho dela. Então começamos a ir às reuniões do Movimento Negro. Boa parte hoje, dos que resistiram na universidade são professores, doutores.

BN: Nesses lugares, havia lugar e espaço para se falar sobre feminismo negro?
 
Havia, por conta de Luiza Bairros, que sempre discutiu isso. Desde que a ouvi falar pela primeira vez em 1988, ela já falava que as mulheres brancas falavam sobre violência, falta de espaço. A mulher branca feminista , lideranças feministas  mais conhecidas em Salvador  foram as professoras líderes do NEIM Núcleo de Estudos da Mulher da UFBA. Mas Luiza (atual ministra), sempre fez o recorte especifico para mulheres negras. “Se a situação da mulher é dessa forma, a da mulher negra é muito pior”, falava ela. Depois as pesquisas começaram a dizer, mas desde 1988 ouvi Luiza falar.
Depois de um tempo conheci Lélia Gonzáles, Luiza Mahin através de textos, mas a primeira que vi falar sobre a questão, foi Luiza Bairros.

BN: Existe aqui em São Paulo, um livro chamado “USP para todos”

Quando fiz mestrado na USP, Fernando Conceição estava liderando um grupo que debatia as cotas. Nós em Salvador começamos a cooperativa de professores antes do cursinho pré vestibular da USP (Só pra negros). O nosso, a cooperativa, começou 2 anos antes. Quando Fernando estava liderando o debate, acho que pode ter surgido daí.

BN: Gostaria de saber sobre a influência da sua família, sobretudo da sua mãe, nas suas conquistas

Tudo que eu sou, devo à família. Meu pai foi morar em São Paulo pra trabalhar e minha mãe, que tinha tias lá, foi visitar as tias. Lá se conheceram e tiveram 6 filhos. Minha mãe parou de trabalhar pra tomar conta dos filhos, meu pai era sapateiro. Quando meu pai foi pra Salvador conhecer a família, não se adaptou ao estilo de vida que teria que levar lá e desisitiu, deixou três filhos em Salvador, eu inclusa, e levou 3 dos meus irmãos, ficaram três meses lá, venderam tudo e voltaram pra Salvador. Chegando aqui meu pai montou uma sapataria e minha mãe continuou costurando e trabalhando em casa, e tinham a meta de que fizéssemos faculdade. Minha tia Terezinha, era educadora da escola Nossa Senhora da Conceição e tinha essa escola por conta da mãe dela, que era sapateira, nasceu em Feira de Santana, casou com um índio que ela largou porque não ajudava no lar, pegou as filhas e deixou com uma tia e foi trabalhar no Pelourinho, montando uma sapataria no Maciel. Começou a ajudar essa tia a cuidar das filhas, comprou um terreno em Brotas e outro na boca do rio. Meu pai era muito admirador dela e falava que eu tinha que ser como ela, por que ela era independente, não dependia de homem pra nada. Mas não queria que minha mãe trabalhasse, pra que tivéssemos uma educação. Em 1976, ele comprou um fusca azul. Minha mãe pegou-o com uma mulher, se separaram. Eu pulei de 11 anos pra adulta. Minha mãe foi pra São Paulo, tirou documentos novos, voltou pra Salvador e foi trabalhar na Galo Turismo. Ela e uma moça que trabalhava na IPE, Marina, começaram a ir a reuniões de formação do PT. Minha mãe falava pra ter foco nos estudos e eu me cuidava muito, até evitava namorar. Pra proteger minha mãe, pois meu pai acompanhava nosso desempenho. Minha mãe estudava lendo livros. Li de cultura útil à cultura inútil. Meu irmão me chamava de cultura inútil por que eu lia aqueles romances de banca, Júlia, Sabrina, etc. Quando clientes iam concertar sapatos lendo livros, meu pai sempre perguntava sobre os livros, quando era pra vestibular, pegava emprestado com clientes (às vezes prorrogando a data para pegar o sapato). Ele mesmo só lia a orelha dos livros, mas levava pra casa dizendo que tinha lido tudo e que era muito bom, fazendo assim uma pressão para que lêssemos. Minha mãe lia, repassava e era uma festa, perguntávamos em que página cada um estava, e tudo o mais. Eu meu irmão até hoje fazemos isso. Meu pai era desesperado, pois todas as mulheres da família dele eram domésticas e os homens pedreiros e carpinteiros, não havia história de estudo, ele não queria esse futuro pra mim e meus irmãos. Ele me via como uma espécie de líder. Ele era feminista e ele dizia para os nossos irmãos que eles tinham que saber fazer tudo e nunca achar que podiam escravizar a nós, meninas da família. Ele não sabia fazer nada, e não queria criar os filhos com essa idéia. Minha mãe obrigava meus irmãos todos a fazer tudo, a partir de certa idade todos lavavam suas próprias roupas, cada um limpava e ficava responsável por uma parte da casa.  Minha mãe sempre pregava o coletivo, que se tivesse uma maçã, todo mundo teria que comer da mesma, dividindo, mesmo sendo 8 irmãos. Ainda bem que tinha um pacote de pirulitos na época que continha 8, que minha mãe comprava pra gente uma vez por mês. Uma vez por mês também tinha uma lata de goiabada que dividíamos no domingo, então, com tudo isso, aprendemos com a minha mãe a noção de coletivo. Minha mãe dizia que eu tinha que me divertir enquanto isso não encontrava uma pessoa. Ela foi criada assim pela minha avó, ia a shows, festas populares, e adorava. Minha avó também adorava ir a festas populares, bebia muito, dançava, não admitia que pagassem a bebida dela, trabalhava e tirava onda com sua independência. Minha avó e minha mãe foram minhas verdadeiras heroínas. Essa historia de minha mãe ter rompido aquela dependência do meu pai, ter corrido atrás pra trabalhar, e trabalhar como auxiliar de serviços gerais na Galo Turismo, ter participado de discussões – tenho atas da Associação da Nova Aliança, da minha mãe como diretora, vice-presidente, ela e outras mulheres. A liderança da associação era de mulheres feministas e todas integrantes do PT. Participei de discussões sobre a constituição, minha mãe ia e eu participava mesmo sem entender.

BN: Gostaria de saber como a senhora se posiciona a respeito do debate sobre estado laico?

Certamente na defesa. A gente precisa respeitar as pessoas e as opções que fizerem, e cada uma tem direito de fazer opção pela religião que quer e ninguém tem direito de ser meter nisso. A bíblia e qualquer outro livro religioso, vão ser sagrados em função do entendimento que cada um tenha. As religiões que se fazem mais pela oralidade, como as de matrizes africanas não deixam de merecer menos respeito que as religiões que tem um livro. Então sou a favor e fui criada nessas bases. Respeito a todas as formas de diversidade, com ênfase na questão religiosa. O problema desse debate é que está completamente voltado para a questão da opressão. A primeira forma de opressão é pelo aspecto da religião. E graças a Deus, desde muito pequena minha mãe me ensinou a respeitar todas as religiões. Então sempre chamo por deus, por todos os orixás, por Buda, sou uma pessoa sincrética e tenho total equilíbrio nisso. Então, sou a favor das pessoas terem suas opções.
Quando eu tomei a decisão política, eu estava em casa, quando o movimento social me chamou pra política. Conversei com os meus colegas sobre o cuidado que deveríamos ter ao escolher um partido. Aí chegamos ao PV (Partido Verde), e eu fiquei encantada com o PV porque tinha algumas pessoas como o Presidente Pena, que já fazia discussão sobre a mulher, sobre a questão racial, aqui na Bahia já tinha o Juca Ferreira que também fazia discussão racial, ouvia o Movimento Negro e tal. Me filiei ao PV. Depois que o movimento social que me chamou saiu e eu fiquei, o próprio PV me chamou pra ser deputada federal e dentro do PV eu já estava candidata a prefeita, quando ACM Neto me chamou para ser a vice dele. E eu disse para os membros do PV que não ia dar certo quando eu dissesse pra ele as coisas em que acredito, e eles me deram força, dizendo que eu “começaria com ele uma nova história”. Daí eu topei, pensando que ele ia fugir quando conhecesse meus pilares. Ele me disse que a família dele tinha uma historia na política, mas que ele não queria ser julgado por essa historia, e sim por ele mesmo, que tinha 10 anos na política, ficha limpa, implementava projetos, trabalhava muito, já tinha pesquisado minha história, minha vida, e disse que eu reunia todas as condições pra trabalhar com ele na implementação da transformação da nossa cidade. Eu disse diretamente que defendia as políticas de promoção da igualdade, e que sobretudo na nossa cidade, uma cidade iminentemente racista, isso tinha que estar na primeira linha do debate. Disse que defendia e respeitava todas as formas de diversidade, sexual, religiosa, cultural, física. Disse que defendia a gestão publica com práticas de governância corporativa, pois sou contadora e advogada, e sempre falei do foco no controle e na transparência. As pessoas tem que saber no que estão investindo. Tem que saber onde está o dinheiro do tributo. Sou da área técnica, preciso dar essa transparência. Disse que acima de tudo defendia a educação a partir de uma preocupação grande com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável. Nós precisamos cuidar de todos através do meio ambiente, essa é minha visão pra cidade e para o mundo.  Ele adorou minhas propostas e de imediato disse pra trabalharmos em um projeto para a cidade. Deixei claro que trabalharia, mas que se depois das eleições ele fizesse como os políticos tradicionais e não cumprisse, eu cairia fora e diria pra todo mundo que ele não cumpriu.

BN: Nesse sentido de ser vice-prefeita, de estar do lado dele, a senhora tem voz?

Está sendo uma experiência fantástica e maravilhosa. Tenho feito meus trabalhos, não paro. Claro que não dá pra fazer tudo o que eu queria fazer, pois a cidade está um caos. Três milhões e meio de déficit. Materiais de péssima qualidade nos asfaltos, as escolas todas depredadas, muito problema.  Mas graças a Deus, tenho participado, representado ele (o prefeito) em vários momentos e tenho voz sim. Ele fez uma fala recentemente, na Conferência Municipal de Promoção da Igualdade, que foi fenomenal. A cidade de salvador está satisfeita. Mas não foi fácil, foi uma decisão complicada. Perdi amigos. Como sou da área técnica, sou muito pragmática, quero ver resultados. Sou muito do fazer, não me canso de trabalhar. Por exemplo, na prefeitura de salvador, o prefeito é do planejamento estratégico, onde eu tenho voz também, consigo colocar as coisas que preciso que a cidade contemple para os próximos quatro anos. Mas estou no operacional, no dia a dia conversando com as pessoas e vendo o que dá pra fazer. Ainda bem que as redes sociais tem me ajudado, pois dou visibilidade a todo trabalho que faço, não minto pras pessoas e digo que vou fazer o que puder ser feito por mim, e o que for encaminhado vamos acompanhar.

BN: Gostaria de saber da senhora, sobre o programa do PV. Olhei o programa e o racismo não é contemplado. Queria que a senhora comentasse essa constatação.

Na verdade, ele (o programa) faz uma discussão racial a partir do respeito a todas as formas de diversidade. Então a questão racial é discutida dentro do partido sim. Mas como é um partido eminentemente branco, eles contemplam essa questão dentro do debate da diversidade. E nós, em função de uma vida com tanta dificuldade em função do racismo, queremos a questão racial na frente. Aí quando eles me aceitam como candidata e eu só falo nisso, nenhuma fala minha deixa de ter o recorte racial, eu já resolvo esse problema. Sempre digo: “Primeira etapa: matar o racista que esta dentro de cada um”.

BN: A sua presença e seu corpo já se colocam pra essa discussão, certo?

Sim. E graças a Deus a gente consegue desenvolver um trabalho muito bom, eu estou muito feliz de estar no PV, a gente consegue avançar na questão da mulher, na questão racial, há um entendimento real das diferenças, do racismo. Há um entendimento da questão racial dentro do PV. E é uma questão de Brasil, de mundo, que precisamos combater.

BN: Então se dá, por exemplo, o debate sobre o genocídio da juventude negra?

Isso, inclusive, há um debate dentro do PV, que tenho feito lá dentro e eles estão pra resolver a qualquer momento, que é a questão da redução da menoridade penal.  É um debate que faço desde que entrei no PV e que só está começando a ser encarado pelo partido agora.  Claro que sou totalmente contra. Precisamos resolver uma série de questões e uma delas é essa.
Vou dizer pra você que não escolhi ser professora. Quando um amigo, Jadir de Brito, me entregou um edital pra concurso pra professora auxiliar na UFS, eu não queria, mas ele dizia que precisavam de mim. Ele e outros amigos insistiram muito, então fui fazer o concurso, concorri com 16 pessoas e passei em primeiro lugar e me dedico muito, adoro dar aula, depois fiz o concurso da UFBA e passei na segunda tentativa. Antes disso fui professora por 11 anos da Fundação Visconde de Cairu. Não escolhi ser professora e nem estar na política, mas faço ambas as coisas com muito amor e carinho e sou muito dedicada no oficio de professora. Eu queria ser auditora das melhores empresas de auditoria do mundo. Um dia, depois de muito tentar um amigo disse: “Célia, você não vê que essas empresas não contratam negros, não? Já quase não contratam mulheres”. Fiquei muito triste, mas aí dei a volta por cima, e meu namorado na época, que já tinha feito curso de contábeis, disse que tinha vontade de montar uma empresa, e eu topei , falando que queria que fosse de auditoria e perícia, que era o que eu queria fazer. Ele topou e trinta dias depois já estava com a empresa montada, começamos a capturar alguns clientes. Eu devia ter uns 24 anos. Mas quando montei essa empresa eu já trabalhava em outra empresa, a de transportes União.  Eu era contadora geral, com 22 anos, sem ter concluído curso técnico em contabilidade eu já era contadora da empresa. Entrei como assistente de contabilidade, e quando um contador foi demitido, fui promovida.  Passei a ganhar acima de 15 salários mínimos e mudei de vida. Comecei a ajudar mais a família, entrei muito nova no Conselho Regional de Contabilidade, com 26 anos já era conselheira, me casei aos 28 anos, com 32 tive Cauã, meu primeiro filho, e aos 37 tive minha segunda filha, Keila. Hoje eles tem 14 e 10 anos respectivamente. Quando terminei a graduação fui fazer mestrado na USP em contabilidade e controladoria (já tinha especialização em auditoria), morei 3 anos em São Paulo, depois vim pra salvador. Depois fiz doutorado em engenharia de produção em Santa Catarina. Depois fiz o curso de direito, no qual entrei paralelamente ao doutorado. Paralelamente a isso tudo, quando entrei na política, quis estudar e entender mais sobre tudo, pelo hábito pragmático que tenho que querer ler e saber sobre o que estou lidando, aí fiz um curso de especialização em direito eleitoral.

BN: Professora, quais são seus planos para o futuro?

Conversei com o presidente nacional do PV, e junto com um grupo de pessoas daqui de Salvador e de outras partes do Brasil, colocamos nosso nome a disposição para a pré candidatura a presidência da república, tenho viajado pelo Brasil afora com o PV, conversei com o Conselho Regional de Contabilidade, a minha profissão tem 500 mil profissionais pelo Brasil, aqui em salvador tem 40 mil. E esse é o ano da contabilidade com esses 500 mil profissionais, e eu quero fazer tudo pra ajudar no crescimento e desenvolvimento da minha profissão, que é controle, o que a gente precisa, uma das formas de combater corrupção é controle e transparência, e a contabilidade e a prestação de contas são o segredo. Quero ajudar o partido a crescer, a se desenvolver, acredito muito no PV. E estou a disposição pra ser a candidata. Não sei se serei, mas minha dedicação esse ano e ano que vem vai ser para ajudar o partido na construção do programa partidário, que tem o recorte racial, da mulher, da juventude, do meio ambiente para desenvolvimento sustentável, da questão da mobilidade urbana, um problema gravíssimo brasileiro que não é difícil de ser resolvido, falta vontade política,e de empresas responsáveis. Então, meus planos para o futuro são estar com todos aqueles que querem trabalhar em um país melhor a partir da transparência, a partir da prestação de contas, a partir da escolha de um caminho que seja melhor para o coletivo, e não para um grupo específico. Estou com todos aqueles que acreditam, pois temos que continuar acreditando na política, a política é a sistemática do diálogo. Precisamos de reforma política, a presidenta Dilma está certa, mas a fome do povo agora é de mobilidade, de educação, de transparência, combate a corrupção. Agora a idéia é trabalhar na gestão publica de forma transparente, identificando para o povo, de uma forma participativa o que nós queremos. Então devemos focar nessa questão. Meus planos para o futuro são me dedicar, enquanto a população quiser estarei na política pra contribuir para um país melhor. Estou muito feliz de estar na gestão publica do município de salvador. O país está querendo um novo nome na política, estão falando da minha competência, mas não precisa de competência pra gerir, a constituição não fala em currículo. Meu currículo não importa, ele não é necessário, estamos em um Estado democrático de direito, o povo vai colocar quem quiser no poder, de qualquer nível.  Quero acertar, quero contribuir para que meus amigos, meus irmãos, meus filhos, minha família, para que todo cidadão do Brasil possa ter uma vida diferente.



Fonte: Blogueiras Negras


Coletivo Blogueiras Negras Entrevista com Célia Sacramento



A Profª Célia Sacramento é paulista de nascimento e baiana de coração. Vice-prefeita da Cidade de Salvador, nos confessou sua vida, história e luta durante duas horas de conversa. Essa é mais uma das grandes Mulheres Afro Latina-americanas:

Blogueiras Negras: Como começou sua história na militância do Movimento Negro?

Célia Sacramento: Entre 12 e 13 anos fui morar no subúrbio ferroviário de Salvador. Minha mãe fez parte de um grupo que fundou uma associação, a Associação Nova Aliança. Nessa associação a gente desenvolvia muitos trabalhos para o bairro, que era um bairro pobre, popular. Fazíamos muito mutirão. Como sempre fui uma espécie de líder na escola, eu me reunia com a juventude local pra fazer as coisas do bairro, ir à praia pra jogar vôlei, dançar no Black Bahia, etc. Fazendo esse movimento com a juventude, entrei na faculdade. Minha entrada na faculdade foi um processo. Venho de uma escola pública, onde tinha notas acima da média. Mas quando fui tentar entrar na UFBA eu não consegui, minha primeira nota foi 4,6. Então vi que precisava estudar muito mais, me dediquei muito, me joguei nos estudos enquanto trabalhava como office girl no comércio, e no segundo vestibular,  consegui a nota 6,7 (a média era 7). Com uma nota acima de 8, não passei. Entendi que para entrar no curso que eu queria, ciências contábeis, tinha que tirar uma nota acima de 9, por que era muito complicado mesmo. Eu e meus amigos, a gente se achava burro por não conseguir. Umas amigas insinuavam que era melhor eu desistir disso tudo e arrumar um namorado com poder aquisitivo. Fui a luta e com uma nota acima de 9, consegui. Quando entrei na minha sala, vi que só havia 3 pessoas negras. Em cursos como medicina, direito e engenharia, quase não se via negros. Pensei: “Como fazer mais colegas conseguirem entrar na universidade?” Então nós, eu, Jadir de Brito,Waldo Lumumba, Maísa Flores começamos a pensar numa forma. Resolvemos formar uma cooperativa, a ideia era ajudar outros estudantes negros a entrarem na universidade. Meu amigo Waldo foi um desbravador. Fizemos um encontro na UFBA, mobilizamos nosso grupo, formamos essa cooperativa de professores pra inserir jovens negros na universidade. Cheguei a fazer palestra lá na UFBA. Sou da área técnica, a minha parte era da estrutura técnica contábel, era administradora, fazia a parte da contabilidade, prestação de contas, etc., e a galera (outros integrantes da cooperativa) dava aula. Nossa ideia era: dar nossa contribuição, depois sair e outros que fossem formados por e beneficiados pelo projeto iriam dar suas contribuições. Outras pessoas foram se juntando a ideia do projeto. Assim que me formei, montei uma empresa de auditoria e minha empresa começou a dar apoio à estrutura. Depois passou a ser uma associação. Depois fui cuidar de fazer mestrado e doutorado. Quando montamos essa instituição, começamos a ser vistos localmente como juventude negra, e o pessoal da cidade nos chamava de “intelectuais negros”. Tinha um grupo mais antigo, uns 10 anos antes de nós, que falava que a gente não precisava ocupar esses espaços na universidade, e nós do nosso grupo, queríamos fazer mestrado, doutorado, porque queríamos nos preparar pra ocupar o poder. Por que uma cidade majoritariamente negra era comandada por brancos? A gente se questionava muito, e quem fazia essa fala eram Jadir de Brito, do Rio de Janeiro e Maísa Flores, da Bahia. Eles diziam que precisávamos ocupar entrando na política. Eu dizia que não queria saber de ser política, queria ser ministra da fazenda, da controladoria, pra ajudar à minha maneira. Falei que ajudaria na campanha e contribuiria no que concerne à minha área. Aí um amigo nosso, Reinaldo Sampaio, descobriu o MNU (Movimento Negro Unificado),e veio falar pra gente, em 87, sobre. Aí Jadir falava que não precisava, pois o movimento não gostava e nem incentivava o estudo, nos chamavam de intelectuais que só queriam saber de estudar, e tal.
Na época, o Jornal da Tarde tinha um editor que fazia comentários horríveis e racistas. Ficávamos horrorizados. Nos reuníamos na biblioteca central dos barris pra estudar. Tinha poucos livros e era um corre corre pra conseguir livros, e a universidade sempre mudava livros para o vestibular, não havia acumulo. Quando fechava a biblioteca, a gente ficava conversando, quando alguém acabava um livro, contava pro outro sobre a abordagem, pois não tínhamos tempo pra ler tudo e nem dinheiro pra comprar. Começaram a falar que a gente precisava se juntar ao PT. Começamos a militar pra lançar linha de esquerda petista na universidade. Com apoio as questões da Unegro por exemplo fundado por Olivia Santana, uma mulher fenomenal que deu contribuições fantásticas para o movimento negro da cidade. E ela já estava na Universidade Federal da Bahia e a gente adorava o trabalho dela. Então começamos a ir às reuniões do Movimento Negro. Boa parte hoje, dos que resistiram na universidade são professores, doutores.
BN: Nesses lugares, havia lugar e espaço para se falar sobre feminismo negro?
Havia, por conta de Luiza Bairros, que sempre discutiu isso. Desde que a ouvi falar pela primeira vez em 1988, ela já falava que as mulheres brancas falavam sobre violência, falta de espaço. A mulher branca feminista , lideranças feministas  mais conhecidas em Salvador  foram as professoras líderes do NEIM Núcleo de Estudos da Mulher da UFBA. Mas Luiza (atual ministra), sempre fez o recorte especifico para mulheres negras. “Se a situação da mulher é dessa forma, a da mulher negra é muito pior”, falava ela. Depois as pesquisas começaram a dizer, mas desde 1988 ouvi Luiza falar.
Depois de um tempo conheci Lélia Gonzáles, Luiza Mahin através de textos, mas a primeira que vi falar sobre a questão, foi Luiza Bairros.

BN: Existe aqui em São Paulo, um livro chamado “USP para todos”
Quando fiz mestrado na USP, Fernando Conceição estava liderando um grupo que debatia as cotas. Nós em Salvador começamos a cooperativa de professores antes do cursinho pré vestibular da USP (Só pra negros). O nosso, a cooperativa, começou 2 anos antes. Quando Fernando estava liderando o debate, acho que pode ter surgido daí.

BN: Gostaria de saber sobre a influência da sua família, sobretudo da sua mãe, nas suas conquistas
Tudo que eu sou, devo à família. Meu pai foi morar em São Paulo pra trabalhar e minha mãe, que tinha tias lá, foi visitar as tias. Lá se conheceram e tiveram 6 filhos. Minha mãe parou de trabalhar pra tomar conta dos filhos, meu pai era sapateiro. Quando meu pai foi pra Salvador conhecer a família, não se adaptou ao estilo de vida que teria que levar lá e desisitiu, deixou três filhos em Salvador, eu inclusa, e levou 3 dos meus irmãos, ficaram três meses lá, venderam tudo e voltaram pra Salvador. Chegando aqui meu pai montou uma sapataria e minha mãe continuou costurando e trabalhando em casa, e tinham a meta de que fizéssemos faculdade. Minha tia Terezinha, era educadora da escola Nossa Senhora da Conceição e tinha essa escola por conta da mãe dela, que era sapateira, nasceu em Feira de Santana, casou com um índio que ela largou porque não ajudava no lar, pegou as filhas e deixou com uma tia e foi trabalhar no Pelourinho, montando uma sapataria no Maciel. Começou a ajudar essa tia a cuidar das filhas, comprou um terreno em Brotas e outro na boca do rio. Meu pai era muito admirador dela e falava que eu tinha que ser como ela, por que ela era independente, não dependia de homem pra nada. Mas não queria que minha mãe trabalhasse, pra que tivéssemos uma educação. Em 1976, ele comprou um fusca azul. Minha mãe pegou-o com uma mulher, se separaram. Eu pulei de 11 anos pra adulta. Minha mãe foi pra São Paulo, tirou documentos novos, voltou pra Salvador e foi trabalhar na Galo Turismo. Ela e uma moça que trabalhava na IPE, Marina, começaram a ir a reuniões de formação do PT. Minha mãe falava pra ter foco nos estudos e eu me cuidava muito, até evitava namorar. Pra proteger minha mãe, pois meu pai acompanhava nosso desempenho. Minha mãe estudava lendo livros. Li de cultura útil à cultura inútil. Meu irmão me chamava de cultura inútil por que eu lia aqueles romances de banca, Júlia, Sabrina, etc. Quando clientes iam concertar sapatos lendo livros, meu pai sempre perguntava sobre os livros, quando era pra vestibular, pegava emprestado com clientes (às vezes prorrogando a data para pegar o sapato). Ele mesmo só lia a orelha dos livros, mas levava pra casa dizendo que tinha lido tudo e que era muito bom, fazendo assim uma pressão para que lêssemos. Minha mãe lia, repassava e era uma festa, perguntávamos em que página cada um estava, e tudo o mais. Eu meu irmão até hoje fazemos isso. Meu pai era desesperado, pois todas as mulheres da família dele eram domésticas e os homens pedreiros e carpinteiros, não havia história de estudo, ele não queria esse futuro pra mim e meus irmãos. Ele me via como uma espécie de líder. Ele era feminista e ele dizia para os nossos irmãos que eles tinham que saber fazer tudo e nunca achar que podiam escravizar a nós, meninas da família. Ele não sabia fazer nada, e não queria criar os filhos com essa idéia. Minha mãe obrigava meus irmãos todos a fazer tudo, a partir de certa idade todos lavavam suas próprias roupas, cada um limpava e ficava responsável por uma parte da casa.  Minha mãe sempre pregava o coletivo, que se tivesse uma maçã, todo mundo teria que comer da mesma, dividindo, mesmo sendo 8 irmãos. Ainda bem que tinha um pacote de pirulitos na época que continha 8, que minha mãe comprava pra gente uma vez por mês. Uma vez por mês também tinha uma lata de goiabada que dividíamos no domingo, então, com tudo isso, aprendemos com a minha mãe a noção de coletivo. Minha mãe dizia que eu tinha que me divertir enquanto isso não encontrava uma pessoa. Ela foi criada assim pela minha avó, ia a shows, festas populares, e adorava. Minha avó também adorava ir a festas populares, bebia muito, dançava, não admitia que pagassem a bebida dela, trabalhava e tirava onda com sua independência. Minha avó e minha mãe foram minhas verdadeiras heroínas. Essa historia de minha mãe ter rompido aquela dependência do meu pai, ter corrido atrás pra trabalhar, e trabalhar como auxiliar de serviços gerais na Galo Turismo, ter participado de discussões – tenho atas da Associação da Nova Aliança, da minha mãe como diretora, vice-presidente, ela e outras mulheres. A liderança da associação era de mulheres feministas e todas integrantes do PT. Participei de discussões sobre a constituição, minha mãe ia e eu participava mesmo sem entender.

BN: Gostaria de saber como a senhora se posiciona a respeito do debate sobre estado laico?
Certamente na defesa. A gente precisa respeitar as pessoas e as opções que fizerem, e cada uma tem direito de fazer opção pela religião que quer e ninguém tem direito de ser meter nisso. A bíblia e qualquer outro livro religioso, vão ser sagrados em função do entendimento que cada um tenha. As religiões que se fazem mais pela oralidade, como as de matrizes africanas não deixam de merecer menos respeito que as religiões que tem um livro. Então sou a favor e fui criada nessas bases. Respeito a todas as formas de diversidade, com ênfase na questão religiosa. O problema desse debate é que está completamente voltado para a questão da opressão. A primeira forma de opressão é pelo aspecto da religião. E graças a Deus, desde muito pequena minha mãe me ensinou a respeitar todas as religiões. Então sempre chamo por deus, por todos os orixás, por Buda, sou uma pessoa sincrética e tenho total equilíbrio nisso. Então, sou a favor das pessoas terem suas opções.
Quando eu tomei a decisão política, eu estava em casa, quando o movimento social me chamou pra política. Conversei com os meus colegas sobre o cuidado que deveríamos ter ao escolher um partido. Aí chegamos ao PV (Partido Verde), e eu fiquei encantada com o PV porque tinha algumas pessoas como o Presidente Pena, que já fazia discussão sobre a mulher, sobre a questão racial, aqui na Bahia já tinha o Juca Ferreira que também fazia discussão racial, ouvia o Movimento Negro e tal. Me filiei ao PV. Depois que o movimento social que me chamou saiu e eu fiquei, o próprio PV me chamou pra ser deputada federal e dentro do PV eu já estava candidata a prefeita, quando ACM Neto me chamou para ser a vice dele. E eu disse para os membros do PV que não ia dar certo quando eu dissesse pra ele as coisas em que acredito, e eles me deram força, dizendo que eu “começaria com ele uma nova história”. Daí eu topei, pensando que ele ia fugir quando conhecesse meus pilares. Ele me disse que a família dele tinha uma historia na política, mas que ele não queria ser julgado por essa historia, e sim por ele mesmo, que tinha 10 anos na política, ficha limpa, implementava projetos, trabalhava muito, já tinha pesquisado minha história, minha vida, e disse que eu reunia todas as condições pra trabalhar com ele na implementação da transformação da nossa cidade. Eu disse diretamente que defendia as políticas de promoção da igualdade, e que sobretudo na nossa cidade, uma cidade iminentemente racista, isso tinha que estar na primeira linha do debate. Disse que defendia e respeitava todas as formas de diversidade, sexual, religiosa, cultural, física. Disse que defendia a gestão publica com práticas de governância corporativa, pois sou contadora e advogada, e sempre falei do foco no controle e na transparência. As pessoas tem que saber no que estão investindo. Tem que saber onde está o dinheiro do tributo. Sou da área técnica, preciso dar essa transparência. Disse que acima de tudo defendia a educação a partir de uma preocupação grande com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável. Nós precisamos cuidar de todos através do meio ambiente, essa é minha visão pra cidade e para o mundo.  Ele adorou minhas propostas e de imediato disse pra trabalharmos em um projeto para a cidade. Deixei claro que trabalharia, mas que se depois das eleições ele fizesse como os políticos tradicionais e não cumprisse, eu cairia fora e diria pra todo mundo que ele não cumpriu.

BN: Nesse sentido de ser vice-prefeita, de estar do lado dele, a senhora tem voz?
Está sendo uma experiência fantástica e maravilhosa. Tenho feito meus trabalhos, não paro. Claro que não dá pra fazer tudo o que eu queria fazer, pois a cidade está um caos. Três milhões e meio de déficit. Materiais de péssima qualidade nos asfaltos, as escolas todas depredadas, muito problema.  Mas graças a Deus, tenho participado, representado ele (o prefeito) em vários momentos e tenho voz sim. Ele fez uma fala recentemente, na Conferência Municipal de Promoção da Igualdade, que foi fenomenal. A cidade de salvador está satisfeita. Mas não foi fácil, foi uma decisão complicada. Perdi amigos. Como sou da área técnica, sou muito pragmática, quero ver resultados. Sou muito do fazer, não me canso de trabalhar. Por exemplo, na prefeitura de salvador, o prefeito é do planejamento estratégico, onde eu tenho voz também, consigo colocar as coisas que preciso que a cidade contemple para os próximos quatro anos. Mas estou no operacional, no dia a dia conversando com as pessoas e vendo o que dá pra fazer. Ainda bem que as redes sociais tem me ajudado, pois dou visibilidade a todo trabalho que faço, não minto pras pessoas e digo que vou fazer o que puder ser feito por mim, e o que for encaminhado vamos acompanhar.

BN: Gostaria de saber da senhora, sobre o programa do PV. Olhei o programa e o racismo não é contemplado. Queria que a senhora comentasse essa constatação.

Na verdade, ele (o programa) faz uma discussão racial a partir do respeito a todas as formas de diversidade. Então a questão racial é discutida dentro do partido sim. Mas como é um partido eminentemente branco, eles contemplam essa questão dentro do debate da diversidade. E nós, em função de uma vida com tanta dificuldade em função do racismo, queremos a questão racial na frente. Aí quando eles me aceitam como candidata e eu só falo nisso, nenhuma fala minha deixa de ter o recorte racial, eu já resolvo esse problema. Sempre digo: “Primeira etapa: matar o racista que esta dentro de cada um”.

BN: A sua presença e seu corpo já se colocam pra essa discussão, certo?
Sim. E graças a Deus a gente consegue desenvolver um trabalho muito bom, eu estou muito feliz de estar no PV, a gente consegue avançar na questão da mulher, na questão racial, há um entendimento real das diferenças, do racismo. Há um entendimento da questão racial dentro do PV. E é uma questão de Brasil, de mundo, que precisamos combater.

BN: Então se dá, por exemplo, o debate sobre o genocídio da juventude negra?
Isso, inclusive, há um debate dentro do PV, que tenho feito lá dentro e eles estão pra resolver a qualquer momento, que é a questão da redução da menoridade penal.  É um debate que faço desde que entrei no PV e que só está começando a ser encarado pelo partido agora.  Claro que sou totalmente contra. Precisamos resolver uma série de questões e uma delas é essa.

Vou dizer pra você que não escolhi ser professora. Quando um amigo, Jadir de Brito, me entregou um edital pra concurso pra professora auxiliar na UFS, eu não queria, mas ele dizia que precisavam de mim. Ele e outros amigos insistiram muito, então fui fazer o concurso, concorri com 16 pessoas e passei em primeiro lugar e me dedico muito, adoro dar aula, depois fiz o concurso da UFBA e passei na segunda tentativa. Antes disso fui professora por 11 anos da Fundação Visconde de Cairu. Não escolhi ser professora e nem estar na política, mas faço ambas as coisas com muito amor e carinho e sou muito dedicada no oficio de professora. Eu queria ser auditora das melhores empresas de auditoria do mundo. Um dia, depois de muito tentar um amigo disse: “Célia, você não vê que essas empresas não contratam negros, não? Já quase não contratam mulheres”. Fiquei muito triste, mas aí dei a volta por cima, e meu namorado na época, que já tinha feito curso de contábeis, disse que tinha vontade de montar uma empresa, e eu topei , falando que queria que fosse de auditoria e perícia, que era o que eu queria fazer. Ele topou e trinta dias depois já estava com a empresa montada, começamos a capturar alguns clientes. Eu devia ter uns 24 anos. Mas quando montei essa empresa eu já trabalhava em outra empresa, a de transportes União.  Eu era contadora geral, com 22 anos, sem ter concluído curso técnico em contabilidade eu já era contadora da empresa. Entrei como assistente de contabilidade, e quando um contador foi demitido, fui promovida.  Passei a ganhar acima de 15 salários mínimos e mudei de vida. Comecei a ajudar mais a família, entrei muito nova no Conselho Regional de Contabilidade, com 26 anos já era conselheira, me casei aos 28 anos, com 32 tive Cauã, meu primeiro filho, e aos 37 tive minha segunda filha, Keila. Hoje eles tem 14 e 10 anos respectivamente. Quando terminei a graduação fui fazer mestrado na USP em contabilidade e controladoria (já tinha especialização em auditoria), morei 3 anos em São Paulo, depois vim pra salvador. Depois fiz doutorado em engenharia de produção em Santa Catarina. Depois fiz o curso de direito, no qual entrei paralelamente ao doutorado. Paralelamente a isso tudo, quando entrei na política, quis estudar e entender mais sobre tudo, pelo hábito pragmático que tenho que querer ler e saber sobre o que estou lidando, aí fiz um curso de especialização em direito eleitoral.

BN: Professora, quais são seus planos para o futuro?
Conversei com o presidente nacional do PV, e junto com um grupo de pessoas daqui de Salvador e de outras partes do Brasil, colocamos nosso nome a disposição para a pré candidatura a presidência da república, tenho viajado pelo Brasil afora com o PV, conversei com o Conselho Regional de Contabilidade, a minha profissão tem 500 mil profissionais pelo Brasil, aqui em salvador tem 40 mil. E esse é o ano da contabilidade com esses 500 mil profissionais, e eu quero fazer tudo pra ajudar no crescimento e desenvolvimento da minha profissão, que é controle, o que a gente precisa, uma das formas de combater corrupção é controle e transparência, e a contabilidade e a prestação de contas são o segredo. Quero ajudar o partido a crescer, a se desenvolver, acredito muito no PV. E estou a disposição pra ser a candidata. Não sei se serei, mas minha dedicação esse ano e ano que vem vai ser para ajudar o partido na construção do programa partidário, que tem o recorte racial, da mulher, da juventude, do meio ambiente para desenvolvimento sustentável, da questão da mobilidade urbana, um problema gravíssimo brasileiro que não é difícil de ser resolvido, falta vontade política,e de empresas responsáveis. Então, meus planos para o futuro são estar com todos aqueles que querem trabalhar em um país melhor a partir da transparência, a partir da prestação de contas, a partir da escolha de um caminho que seja melhor para o coletivo, e não para um grupo específico. Estou com todos aqueles que acreditam, pois temos que continuar acreditando na política, a política é a sistemática do diálogo. Precisamos de reforma política, a presidenta Dilma está certa, mas a fome do povo agora é de mobilidade, de educação, de transparência, combate a corrupção. Agora a idéia é trabalhar na gestão publica de forma transparente, identificando para o povo, de uma forma participativa o que nós queremos. Então devemos focar nessa questão. Meus planos para o futuro são me dedicar, enquanto a população quiser estarei na política pra contribuir para um país melhor. Estou muito feliz de estar na gestão publica do município de salvador. O país está querendo um novo nome na política, estão falando da minha competência, mas não precisa de competência pra gerir, a constituição não fala em currículo. Meu currículo não importa, ele não é necessário, estamos em um Estado democrático de direito, o povo vai colocar quem quiser no poder, de qualquer nível.  Quero acertar, quero contribuir para que meus amigos, meus irmãos, meus filhos, minha família, para que todo cidadão do Brasil possa ter uma vida diferente.

http://blogueirasnegras.org/2013/07/25/blogagem-coletiva-25-de-julho-entrevista-com-celia-sacramento/