No dia 25 de julho do ano passado, tive a honra de ter uma entrevista minha publicada pelo coletivo de blogs Blogueiras Negras,
um veículo que aborda com maestria os desafios e conquistas da mulher
afrodescendente na sociedade racista e sexista em que vivemos. Hoje, 1
ano depois, o blog traz uma excelente reflexão sobre a importância da
data e seu significado. O artigo é da historiadora Luciane Reis.
Porque reverenciamos o 25 de Julho, dia da Mulher Afro-latino-americana e Caribenha?
As mulheres negras nunca reconheceram o mito da fragilidade
que sempre justificou os espaços subalternos que lhes foram dados.
Aprenderam muito cedo o quanto duro é o trabalho nos espaços
disponibilizados e acima de tudo que suas vidas valiam o que lutassem
para ter. O processo que desumaniza a população negra, fez com que o
machismo sobre essas mulheres, tivesse um impacto maior do que nas
demais, principalmente na mercantilização de suas vidas e corpos, além
de sua afetividade.
Sabemos quais são as consequências da negação do papel da
mulher negra na formação da cultura dos povos, especialmente na política
partidária e na área social. Mesmo entre os movimentos feministas mais
avançados e plurais, há ainda hoje uma dificuldade em reconhecer as
mulheres negras que estiveram presentes nas lutas e movimentos sociais e
principalmente na capacidade destas de ocupação de espaços
“privilegiados”. As heroínas e intelectuais negras, são totalmente
invisibilizada nos processos históricos.
Após séculos de exploração, ainda há de forma intensa a
erotização e apropriação do corpo da mulher negra, onde na divisão entre
santas e profanas, acabam por ocupar o espaço de diversão casual. Nada
diferente do passado por mulheres negras na diáspora como um todo e
principalmente na América Latina, onde essa identidade é legitimada a
partir de raízes euro-ocidental, raiz que rejeita a presença negra na
história e vida cotidiana, que exclui e discrimina estas. Por conta do
entendimento desta realidade comum na diáspora negra, um grupo de
mulheres negras viu a necessidade de iniciar um debate em nível
internacional sobre a situação da população afro descendente, o racismo,
discriminação e principalmente questionar a identidade europeia imposta
a esse povo.
Diante da constatação de que é difícil ser negra
latino-americana numa sociedade construída a partir do racismo e do
patriarcado, essas delinearam os países latino-americanos via exclusão
territorial, social, econômica e política. Esses dados confirmaram a
realidade da diáspora negra na perspectiva racial e principalmente das
mulheres negras, onde essa identidade implica em sofrer uma dupla
opressão historicamente construída e a hegemonia de um gênero sobre o
outro. Ao compreender esses fatos, surge a necessidade de construir uma
identidade global com uma articulação que pudesse permitir ter uma maior
visibilidade desta situação em toda região.
Essas mulheres internacionalizaram o debate que faz surgir o
movimento das mulheres afro-latinas e caribenhas, contribuindo desta
maneira para a criação da maior antena preta feminista. Essa união
permitiu a aproximação de profissionais de comunicação, cultura,
acadêmicos e áreas afins que hegemonizaram a luta negra na diáspora de
forma continental.
A partir desta articulação, em 1992, em Santo Domingo, na República
Dominicana, realizou-se o 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas
e Afro-caribenhas, do qual decorreram duas decisões: a criação da Rede
de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas e a definição do
25 de julho como Dia da Mulher Afro-latino-americana e Caribenha. Data
que nos dias de hoje, temos orgulho em comemorar.
O 25 de Julho internacionaliza o feminismo negro via
aglutinação da resistência das mulheres negras à cidadania nas regiões
em que vivem, principalmente as opressões de gênero e étnico-raciais.
Desta forma, essa data amplia e fortalece as organizações e identidade
das mulheres negras, que vem construindo estratégias para o
enfrentamento do racismo e do sexismo. Essa não é uma data qualquer
para nós mulheres negras, ele significa o rompimento com um feminismo
que nunca nos contemplou. Resgata a luta das mulheres negras da
diáspora, iniciada ainda na década 70, através das feministas negras em
pontos diferentes da diáspora.
Comemorar o 25 de julho é celebrar e reverenciar a
elaboração de novas perspectivas feministas, em especial da introdução
da diferença na teoria feminista tradicional. Afinal não podemos
esquecer que o feminismo que ressurgiu na década de 1970, afirmava uma
identidade feminina homogênea, logo não se conseguia identificar e
visibilizar demandas específicas de mulheres que sofriam com a
intersecção de diversas condições como, gênero, raça, classe, etnia,
orientação sexual e religiosidade.
Fortalecer o 25 de julho é dá visibilidade e energia a
emancipação das mulheres negras de um feminismo que colocava a opressão
de gênero como fator opressor prioritário para as mulheres, sem levar
em conta as demandas das mulheres negras. É fortalecer a emancipação
de um feminismo que não conseguia abarcar as diferenças entre estas ou
seja, o olhar para as múltiplas experiências e identidades femininas.
Empoderar essa data é contribuir na luta histórica de
mulheres que foram e são protagonistas no pautar e exigir de seus
países o atendimento de demandas que nos dias de hoje melhora a
qualidade de vida da população negra é lutar pela garantia e ampliação
do acesso a direitos já conquistados, principalmente na construção
enquanto continente de afros descendentes como uma nação transnacional.
É nessa construção coletiva que precisamos acreditar quando
reverenciamos o 25 de julho, dia da Mulher Afro-latino-americana e
Caribenha.
Fonte: Blogueiras Negras
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